sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Origem da Feira das Cebolas



Visando repor uma tradição cujos conhecimentos remontam ao Séc. XIV, iniciámos em 1986 a Feira das Cebolas, que havia desaparecido na década de 40, ao tempo integrada na extinta Feira de S. Bartolomeu.

A razão principal desta reposição foi trazer aos nossos dias toda a sua vivência que os pequenos agricultores de Cernache passaram para conseguir vender as cebolas que com tanto esforço e carinho cultivavam.

Chegado o quarto-minguante de Janeiro iniciava-se a sementeira dos canteiros de cebolo sempre em locais abrigados dos ventos frios de Fevereiro e Março e que durante o seu crescimento eram seguidos como de um canteiro de cravos se tratasse, até que chegado o quarto minguante de Abril e já com a terra para a plantação preparada, se procedia á sua plantação. Regado e mondado das ervas daninhas, chegava-se ao quarto minguante de agosto já com os rabos das cebolas a secar, procedia-se á sua colheita e levavam-se para os velhos telheiros das eiras afim de acelerar a secagem. Passados alguns dias havia que contratar o enrestiador nome dado ao homem que fazia os cabos ou réstias.

De salientar a importância dada pelos agricultores ao quarto minguante em todas as fases decisivas do cultivo, ciclo lunar decisivo para a manutenção da cebola durante a maior parte do ano sem grelar.

Na segunda quinzena de Agosto, à saída da missa dominical e no largo da Praça de Cernache, lá estavam os vendedores de bunho vindos de Arzila do Campo, que no Paul de Arzila colhiam tão precioso ervácio que, para além do enrestiar, servia de base as tradicionais esteiras de Arzila.

Chegada a véspera do enrestiar havia que pôr o bunho ou palha a remolhar na água da ribeira de vila nova mesmo junto ao moinho do ti videira para que humedecido pudesse ser trabalhado sem ferir os dedos ao artesão que, a dar-lhe apoio, tinha sempre uma companheira com a missão de escolher as 25 cebolas do mesmo calibre e colocá-las aos molhinhos, facilitando-lhe a tarefa.

No velho sótão as cebolas já enrestiadas, esperavam o dia em que o velho Ti Lourenço, estimado lavrador da terra, as carregava até à Feira então já instalada na Ínsua na margem esquerda do Mondego onde hoje se situa o Estádio Universitário.

Era o dia 19 de Agosto, véspera do inicio da feira e durante a noite procedia-se ao carregamento dos cabos das cebolas feito pelo ti Zé da Abrunheira enquanto a esposa, a Ti Rita Moleira, preparava o fogareiro e as brasas aproveitadas da velha lareira e algumas pinhas bravas que ajudavam a acender a fogueira que teria por missão ajudar na confecção dos alimentos que serviriam de refeição ao casal e filho, durante os quinze dias e noites que durava a Feira.

Na madrugada do dia 20 de Agosto a velha Rita servindo-se do azeite da velha candeia colocada na boca do forno da broa, tirava o cobranto à vaca do Ti Lourenço para que tudo corresse bem, e iniciava-se então a penosa viagem. Subida a Venda do Cego, parava-se na Fonte do Brejo, a fim do animal matar a sede provocada pelo meio alqueire de favas que lhe tinham servido ao pequeno almoço, gesto que era repetido quando se alcançava a fonte da Chapeleira em Antanhol como preparação para enfrentar o osso mais difícil da caminhada que era subir a ladeira da Paula, em cujo inicio o Ti Lourenço aproveitava para visitar a taberna do Ti Alberto da Paula, já a contar com os clientes daquele dia especifico, para beber um copo de três de preferência branco.

Chegados à Cruz dos Morouços a paragem junto à capelinha da Senhora dos Aflitos onde a Ti Rita ajoelhava pedindo a ajuda da santinha para que a venda das cebolas corresse dentro das suas ambições e prometendo no regresso compensá-la com uma generosa esmola, o mesmo ritual se repetia alguns metros depois quando da passagem em frente à alminhas do velho Pereira que em permanente vigilância naquele dia, vinha a correr logo que escutava o tilintar da pequena moeda de meio tostão na pedra que servia de base ao cofre das alminhas.

Seguia-se a descida íngreme do vale do inferno onde a Tia Rita teria de fazer as suas necessidades na Quelha do Burro e a passagem em frente ao Portugal dos Pequenitos servia para o animal matar a sede na velha fonte ali existente provida de uma tina em pedra precisamente para servir o gado que durante o ano se dirigia à Feira dos 23, e principalmente às mulas que diariamente ali passavam puxando as carroças dos moleiros de Cernache que se dirigiam ao Baixo Mondego levando a farinha aos seus clientes.

Chegados à Feira era escolher o melhor lugar possível e começar a armar a velha tenda com armação de cana, tendo por cobertura os negros panões que serviam também na apanha da azeitona e como enxerga uma ou duas esteiras de Arzila. E este estado de coisas davam início aos quinze dias que eram considerados de férias para quem não tinha mais nenhuma regalia durante todo o ano. No fim da feira e com o dinheirito amealhado e retirado o que serviria de pé de meia para todo o ano com o restante era correr até à Rua dos Sapateiros escolher uns sapatitos e passar pela Rua das Figueirinhas apressar uma camisinha de dormir ou pano para um saiote que em uso já apresenta alguns esfarrapões, seguindo-se o regresso a casa.

São estes recados dos nossos antepassados que levaram o Grupo Folclórico "Os Camponeses" de Vila Nova a levar todos os anos à Praça do Comércio, em Coimbra, um pouco do que ali se passou desde o Séc.XIV , com oito noites de cultura popular baseadas em actuação de Grupos Folclóricos, Jogos Tradicionais, Brinquedos de Madeira, Quermesse, tendo a indispensável presença duma Tasquinha representando uma antiga taberna da nossa freguesia, mostrando a riqueza da gastronomia regional onde predominam o caldo verde, a sardinha de pasta, o chouriço caseiro assado juntamente com a doçaria ,onde para além do Bolo de Festa e a Escarpeada, o Arroz Doce é o rei da noite, sempre acompanhado do delicioso Licor de Canela.

Todos os dias os ceboleiros de Cernache vão vendendo alguns milhares de cabos de cebolas, para além de outros produtos hortícolas, tais como tomates, pepinos ,abóboras e figos.

Sem comentários: